junho 20, 2012

Ensinamentos póstumos


Ela era assim, dondoca. Desde sempre, muito bem arrumada, perfumada e com o semblante inabalável. Vivia de saia, meia calça fio de seda, sapato com salto médio e o famoso lenço na manga da blusa de seda.
Perolas no pescoço, nada nunca muito ostensivo ou exageradamente grande, tudo na medida certa. Dona de uma educação impecável e ditados que explicam até hoje, o comportamento humano.

Detestava falta de educação, homens de estatura baixa e desrespeito à hierarquia. Frequentadora assídua das missas de domingo, tinha um canal reto com Deus, nosso Senhor. Rezava todos os dias e era abençoada a cada culto.

O que não se sabia, ou melhor, o que ela não transmitia era ser uma pessoa calorosa e observadora. Sabia de tudo e todos e seus atos, na maioria das vezes mal interpretados, sempre eram exatamente o que deviam ser. Nunca foi uma mulher de muitas palavras, mas aquelas que profetou, mudaram vidas.

Ao decorrer dos anos, perdeu familiares, amigos e conhecidos. A ponto de dizer que desistia desta vida para poder reencontrar seus entes queridos. Eis que, no alto de seus 94 anos, encontrou seu caminho e seguiu para tornar-se uma estrela.

Visitei-a em seu leito e conversamos por algum tempo. Era hora de dormir, e pela primeira vez esboçou emoção e medo do destino. Achei que era um temor natural, coloquei-a para dormir, me despedi com um beijo e um até breve. Naquele momento, vi pela primeira vez, a mulher fogosa, destemida e encantadora da qual ouvi histórias a vida toda.

 Jamais pensei que aquela seria a última vez que a veria, antes dos procedimentos fúnebres. Mas, aquele momento mudou minha visão de mundo, me fez pensar que, por debaixo de um casco grosso e resistente, podemos encontrar a mais frágil e singela das coisas. O amor.

O momento, certamente não foi o mais propicio, mas foi o mais marcante que vivi com minha avó. A Senhora Celeste Mariano da Rocha Silla, a mulher mais central, plural e absoluta que conheço.

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